02/09 - Helsingborg, Helsingør

Há algo de podre no reino da Dinamarca, e parece que é a merda de minha virilha. Que continua distibuindo fisgadas aleatórias para as mais variadas e recônditas porções de minha coxa, sem qualquer sentido anatômico para uma lesão muscular ou tendínea, sem qualquer dor ou localização à palpação, iniciada súbita e incompreensivelmente sem qualquer trauma local, mas limitando o movimento, fazendo alguns passos meus fraquejarem, praticamente garantindo que amanhã eu vá gostoso pro chão, porque se correr uma maratona já é um exercício de resistência mental em condições usuais, correr tendo que estar consciente de cada passo e suportar cada agulhada é mais intolerável do que a dor causada ao nariz por apertá-lo forte o suficiente para conseguir daro voto ao Lula para evitar o inconcebível.

No começo da tarde fomos pegar o material da corrida de amanhã. Entre uma punhalada e outra sentida em minha coxa, eu permanecia todo orgulhoso daquela tarja com meu nome pra ser vestida em frente ao meu peito (sim, porque aqui fora de Bozoland eu pago a inscrição das corridas...). Confirmando ser o ÚNICO brasileiro inscrito na prova dos 42K. Ciente da responsabilidade de representar meu país nos estertores finais de sua cambaleante e septicêmica democracia. E aí sentindo mais uma repuxada nesta coxa velha e podre do caralho.

À tarde, demos um pulinho ali na Dinamarca para visitar onde teria morado Hamlet se, assim como Deus, o tratamento precoce da covid e o amor da Ana Paula Arósio por mim, ele não fosse apenas uma lenda.

Agora, finalmente desisti de tentar bancar o macho e achar que o poder da minha perserverança curará minha virilha, e tomei  um dos comprimidos de meu limitado estoque de anti-inflamatórios. Vamos ver que bicho dá amanhã. Mas deve dar merda.

Parafraseando meu brother William:

Correr ou não correr, eis a questão.
Será mais sábio em nosso espírito sofrer pedras e setas com que o nervo pudendo, enfurecido, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de frustrações e em desapontamento pôr-lhes fim?
Medrar, desistir: não mais.

Dizer que rematamos com um anti-inflamatório a angústia
E as mil lesões naturais-herança do homem que envelhece e se fode de tanto malhar.

Correr para cair… é uma constatação.
Que bem é provável e tememos com fervor.
Cair… Talvez se lesionar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da maratona,
No repouso do acovardamento o arrependimento que tenhamos deve fazer-nos hesitar.
Eis a suspeita que impõe tão longa vida aos nossos amarelamentos.

Quem sofreria os relhos e a irrisão da rotura tendínea
O agravo do acetábulo, a afronta do fêmur?
Toda a lancinação da mal-prezada virilha,
A insolência tendínea, as dilações da aponeurose,
As fisgadas que dos músculos têm de suportar,

A dor paciente, quem a sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta da linha de chegada? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a dor lancinante,
Se o receio de alguma coisa após a avulsão tendínea,
Esta região desconhecida cujas raias
Jamais maratonista algum atravessou de volta,
Não nos pusesse a correr para outros, não sabidos?

O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da ortopédica lesão.
E desde que nos prendam tais musculares contrações
Corredores de alta performance  e que de bem alto tropeçam.
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo de se chamar ação, medalhistas que não são.

Viram? também sei ser chato e incompreensível..


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