21/09 - Wrocław

Nesta vida cloaca, tem coisas que entram na bunda da gente e coisas que saem da bunda da gente.
Tem coisas que entram na bunda da gente. Outro dos aspectos que venho atribuindo a este amortecimento mais ou menos indiscriminado dos afetos que a velhice traz, este certo grau de indiferença e ensurdecimento às experiências pelas quais passamos, é o relativo desassombro com a possibilidade de ficar sem grana durante a viagem, ou acabar perdendo um trem, ou voo, ou tomando uma dose de radiação de alguma bomba nuclear que o Putin está prestes a lançar. Tudo acaba tendo um jeito, porque no final nada tem jeito mesmo, me diz esta minha alma envelhecida e apodrecida pelo passar do tempo, equivalentemente a como vão ficando os dentes e a próstata (e, por que não?, a virilha) da gente.

Mas então eis que hoje, chegando à rodoviária com a devida antecedência, tendo descoberto bonitinho quando e de onde saía o próximo ônibus desta romaria quase diária, aguandando ali comportadamente sua chegada enquanto mastigávamos uma dúzia de croissants que a tia da padaria havia nos vendido em excesso porque preferiu passar a adolescência se masturbando para o André Rieu a estudar inglês e não entendeu o meu pedido, eis que o número do ônibus se apaga do letreiro da plataforma, com a seu lado a palavra tcheca para "partiu". 15 minutos antes da hora. Momentos de desespero e terror, com o cu piscando mais alucinadamente do que bate o coração daqueles oito deputados do PL que o Tiririca vai conseguir eleger junto com ele. Sem muito onde ou com quem se informar, mesmo que falassem inglês, sem saber o que fazer. Com o cu mais travado do que o imbroxável membro do presidente, prestes a ser usado nos outros 60% de nossa inconsequente nação. Logo em seguida chega um e-mail da Flixbus dizendo que infelizmente o ônibus estava 60 minutos atrasado. Lamentamos o inconveniente, já fizemos o pedido formal de desculpas, agora fodam-se vocês. Ao fim de uma hora de férias desperdiçadas, tédio amolecendo o espírito e frio sendo passado, novo atraso, de mais 50 minutos. Consegui descobrir com a tia do balcão que o ônibus estava quebrado, então sequer havia a certeza de que sairia agora às 11:50. No final, consegui trocar os bilhetes por assentos em um outro ônibus que também passava por Wrocław, e saímos 1 hora e 45 minutos depois. Com algum atraso sofrido também durante o trajeto, acabamos chegando aqui umas 5 da tarde, com o dia praticamente perdido.
O código de acesso ao hotel sem recepção que nos havia sido prometido chegar por e-mail um pouco antes das 15:00, também não chegava. Escrevi ao hotel apontando o fato, mas leriam e responderiam em tempo? Fuçando melhor no celular, descobri em seguida que, anta que sou, havia feito a reserva para 21/11, e não 21/09, neste nosso lusitanismo linguístico que faz um mês chamado NOVEmbro ser numerado com um onze, e um mês chamado SETEmbro ser numerado com um nove.

Novamente o cu, já com cãibras da contração pregressa, começa a piscar mais desvairadamente do que a glande do ministro Braga Netto, prestes a botar os tanques nas ruas. Estávamos sem onde ficar. Com a alucinada correria de reservar um novo hotel em cima da hora, sem saber se haveria algo minimamente em conta, se responderiam em tempo com o novo código de acesso do novo local, tendo que brigar com a internet ruim do ônibus. No final, conseguimos coisa mais cara e mais distante do que a primeira, mas não tanto assim. Passamos o carão do erro de dar bronca no primeiro hotel por uma comida de bola na verdade minha, mas o segundo é até bem agradável, provavelmente mais do que o primeiro, muuuuito baratinho, teria sido. É só dinheiro, no final. mas vai dizer isto pra tia que mora lá no Marsillac e não consegue comprar o botijão de gás pra esquentar o mingau ralo de seus 18 filhos.

Mas há coisas que saem da bunda da gente. Ao entrar no ônibus das 11:45, fui merecidamente descarregar o produto de tanta atividade nervosa simpática em meu trato digestivo. Banheiro limpinho, tudo em ordem, deu até pra lavar as mãos, o que, em veículos como este, de forma alguma é uma coisa líquida e certa. Alguns minutos depois, escuto o motorista esbravejando em tom inquisitorial com os passageiros sentados ali ao redor do banheiro, em um inescrutável tcheco do qual só consegui divisar a palavra 'tualety', e em seguida à bronca, o banheiro passou o resto da viagem interditado. Não sei se eu havia entupido a privada com meu indignado cagalhão, se o aroma frutado de minhas descargas intestinais haviam chegado até lá na frente do veículo, ou por que outro motivo o motorista recusaria acesso a um banheiro que, pelo menos até minha visita, parecia plenamente funcional, mas o fato é que posso ter estado envolvido na impossibilidade de 30 pessoas se livrarem de seus dejetos frontais e anais ao longo de 4 horas e meia de viagem.
Mais de duas horas de estrada depois, o motorista encosta numa barraquinha de beira de estrada, com um banheiro de madeira ali do lado, provavelmente nada mais do que uma privada de fossa. Fez-se uma fila imensa em frente à sua porta, apenas para descobrirem que esta, além de tudo, também estava trancada. E então o espetáculo de 30 passageiros se dispersando pelos arredores, a Aqualad incluída, para fazer xixi no matinho.

No final, saindo para tentar ver alguma coisa da cidade quase às 6 da tarde, o tempo e sol disponíveis não eram fartos.
Mas, hoje que resolvi usar o tênis de corrida, mais pesado, não choveu. Continua um friozinho alentador, como na Europa deve ser. Comi num quilo com cardápio de acento mais local bem gostoso. A cidade, que em minha fantasia seria pouco mais do que um daqueles semivilarejos degradados da era soviética é grande, moderna, e bonita, sem abrir mão do charme de um certo vago descuido e obsolescência espalhados aqui e ali. E, ao contrário da Suíça, suas lojas e supermercados ficam abertos até 10 da noite!


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